Desenganem-se aqueles que, ao
longo do tempo, têm posto em causa o valor científico da Geografia, olhando-a
como uma disciplina que apenas vive de contributos de outras áreas do saber e
que se centra apenas no senso-comum, carecendo de um verdadeiro corpo
científico e de uma linguagem própria.
Para contrariar estas ideias que,
quer queiramos, quer não, ainda vão estando presentes no discurso de algumas
pessoas, podemos simplesmente olhar para aqueles que são considerados os conceitos-chave
em Geografia e que acabam por conferir a cientificidade, por muitos
questionada, a esta área do saber. Conceitos como “espaço geográfico”, “lugar”,
“território”, “escala”, “interação ambiental”, “processos”, “interdependência”,
“diversidade cultural” são fundamentais na estruturação do conhecimento
geográfico.
Olhemos, por exemplo, para três
destes conceitos: “espaço geográfico”, “lugar” e “território”. Se pedíssemos a
uma pessoa para definir estes três conceitos, provavelmente a mesma entenderia
os três como sinónimos e teria dificuldade em distingui-los. Na realidade,
estes três conceitos não significam exatamente a mesma coisa e, através deste
simples exemplo, acabamos por constatar a riqueza, diversidade e especificidade
do “vocabulário geográfico”. Temos, assim, o “espaço geográfico”, uma
designação de carácter mais geral, algo central para o geógrafo e que pode ser
entendido, obviamente, segundo abordagens distintas; o “lugar”, que comporta
sempre uma dimensão afetiva, com um significado particular e o “território”, ao
qual está associada uma componente mais política.
Perante estas especificidades de
cada conceito, não me parece descabido considerar o conceito de “lugar” como
aquele que consegue estar mais próximo da experiência de qualquer indivíduo.
Afinal de contas quem não tem os seus lugares? Ainda que inconscientemente,
todos nós temos os “nossos lugares”, aqueles que têm um significado particular
para nós, atendendo à experiência que já tivemos na relação com os mesmos. Do
mesmo modo, também devido à experiência, existirão outros lugares onde não nos
sentimos tão confortáveis e que podem até causar-nos repulsa relativamente aos
mesmos. Independentemente do tipo de sentimento, é impossível ignorar a
existência desse sentimento, ou seja, os laços existentes entre o indivíduo e o
lugar.
Esta perspetiva de vinculação entre
indivíduo e lugar está particularmente presente na obra “Topofilia”, do
geógrafo Yi-Fu Tuan. Adepto de uma conceção mais humanista da Geografia, Tuan
reflete sobre as relações entre Homem e ambiente, valorizando as experiências
individuais do Homem, que vão influenciar as perceções deste relativamente ao
meio onde vive. “Muitos dos conceitos de Tuan referem-se à emoção com que o
homem se relaciona com uma escala do espaço que faz dele um lugar humano”
(Cisotto, 2013).
Transpondo um pouco esta questão
do lugar para um âmbito educativo, penso que a familiarização dos alunos para
com esta noção de lugar pode ser um bom ponto de partida para o conhecimento
geográfico, para um entendimento do que trata a Geografia. Qualquer aluno, por
mais jovem que ainda seja, terá já os “seus lugares” e acabará por tomar
consciências das relações que estabelece com os mesmos.
Acerca de “Topofilia”:
Cisotto M (2013) Sobre “Topofilia”, de Yi-Fu Tuan. Geograficidade, v.3, n.2. [Acedido em 11
de Novembro de 2015]. http://www.uff.br/posarq/geograficidade/revista/index.php/geograficidade/article/view/133/pdf
Excelente reflexão Ricardo! Post muito pertinente no âmbito do Seminário de Didática da Geografia. Não poderia estar mais de acordo consigo sobre a dimensão afetiva dos lugares. Para um educador, ou formador, o grande desafio que se lhe coloca no momento de ensinar geografia é, sem dúvida, conseguir que a geografia seja um "verdadeiro" lugar para os alunos. Como estes não existem sem sentimentos, afetos,... emoções, se a geografia ensina despertar estas experiências nos alunos, certamente que conquistou nos mesmos um lugar nas suas vidas, ...
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