Os professores constituem o mais importante recurso em educação. Devido a este facto e à complexidade dos estudos geográficos, são essenciais professores especialistas possuidores de uma adequada formação profissional.
Carta Internacional da Educação Geográfica

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Ainda a propósito da importância do Lugar e algo mais


Lampert, R. (2013). O estudo do lugar como formação do conhecimento e a prática docente em Geografia. In Tonini, I; Kaercher N & Holgado F. Ensino da Geografia e da História – Saberes e Fazeres na Contemporaneidade (pp.133-148). Porto Alegre: Evangraf.


Ainda na senda da relevância do lugar para a educação geográfica, importa olhar para o trabalho de Rodrigo Lampert, que reflete, precisamente, sobre esta questão, entre outros aspetos.

Lampert inicia o seu texto pondo em evidência os desafios que se apresentam à prática docente, nomeadamente conseguir cativar os alunos, proporcionando aprendizagens significativas aos mesmos. O autor refere que “o conhecimento acumulado nos anos de graduação garante os conhecimentos e os conceitos a serem trabalhados em sala de aula, no entanto, não garantem que a prática docente seja significativa aos alunos”.

Lampert organiza este seu trabalho em vários capítulos, cada um deles com ideias que interessa observar. Em: O ser docente e o conhecimento, Lampert começa por dizer que  “para ser professor não basta simplesmente transmitir o conhecimento: o docente é um agente provocador de transformações”. Neste capítulo, o autor reflete sobre as questões ligadas ao conhecimento e como este se adquire. Lampert faz referência a outros autores, nomeadamente Bachelard, destacando que os professores tendem a não ter em conta as aprendizagens prévias que os alunos já trazem para a sala de aula, assumindo que o conhecimento do aluno apenas começa no momento da aula. Nas palavras de Lampert, o conhecimento dá-se quando “um conhecimento cotidiano, que muitas vezes é empírico e que pode ser chamado de senso comum, o qual o aluno já detém, entra em contato com o saber científico o qual o professor detém, resultando numa reestruturação destes saberes”. O autor refere, no entanto, que esta articulação ainda não está presente nas escolas, prevalecendo uma separação entre estas duas dimensões, o que acaba por se revelar um obstáculo segundo esta perspetiva. No capítulo seguinte: Uma geografia do cotidiano, Lampert, no seguimento do que foi dito no capítulo anterior, destaca a importância do lugar na construção desta perspetiva de geografia escolar. Lampert refere que “por meio do estudo do lugar o aluno poderia aprender a observar a paisagem do ponto de vista de sua ordenação territorial e dominar, então, a linguagem utilizada pela Geografia, permitindo assim o entendimento do mundo geograficamente”. Fazendo referência a um outro autor, mais concretamente Kaercher, Lampert chama a atenção para a ideia de alfabetização geográfica, aspeto que é fundamental numa geografia escolar que pretende que o aluno entenda o mundo que o rodeia, conseguindo estabelecer relações entre os conteúdos mais teóricos e aquilo que observa no seu dia-a-dia. Um exemplo prático da aplicação desta perspetiva é, precisamente, o que Lampert apresenta nos capítulos seguintes: Procurando novas topogêneses e Aprendendo sobre as paisagens. O autor apresenta, assim, um estudo levado a cabo em Rio Grande do Sul, no Brasil, com alunos de diferentes faixas etárias, com o objetivo de levar estes alunos a explorarem o bairro onde viviam, descobrindo e refletindo sobre os “seus lugares”. Para terminar, Lampert dedica ainda um capítulo às questões ligadas à cartografia, ao qual chamou: Primeiros passos cartográficos. O autor reconhece a “omnipresença dos mapas” no âmbito educativo, no entanto aponta a existência de algumas dificuldades de leitura e compreensão cartográfica, o que se tem revelado um desafio a superar. Neste sentido, o autor descreve uma experiência levada a cabo, precisamente com o objetivo de contribuir para uma melhor “alfabetização cartográfica”.

Estamos, assim, perante um trabalho que coloca em evidência um dos grandes desafios para a prática docente – contribuir para que os alunos adquiram aprendizagens efetivamente significativas para os mesmos. Só uma geografia escolar que consiga conciliar conteúdos teóricos com realidades observáveis no dia-a-dia pode dar resposta a este desafio, fazendo com que o aluno entenda o mundo que o rodeia, sentindo-se verdadeiramente “agente de transformação das paisagens e do espaço geográfico”. Só conseguindo estabelecer a ponte entre o conhecimento geográfico e a realidade que o rodeia é o que o aluno se aperceberá verdadeiramente da presença e importância da geografia no seu dia-a-dia.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Lugares, quem os não tem?...


Desenganem-se aqueles que, ao longo do tempo, têm posto em causa o valor científico da Geografia, olhando-a como uma disciplina que apenas vive de contributos de outras áreas do saber e que se centra apenas no senso-comum, carecendo de um verdadeiro corpo científico e de uma linguagem própria.

Para contrariar estas ideias que, quer queiramos, quer não, ainda vão estando presentes no discurso de algumas pessoas, podemos simplesmente olhar para aqueles que são considerados os conceitos-chave em Geografia e que acabam por conferir a cientificidade, por muitos questionada, a esta área do saber. Conceitos como “espaço geográfico”, “lugar”, “território”, “escala”, “interação ambiental”, “processos”, “interdependência”, “diversidade cultural” são fundamentais na estruturação do conhecimento geográfico.

Olhemos, por exemplo, para três destes conceitos: “espaço geográfico”, “lugar” e “território”. Se pedíssemos a uma pessoa para definir estes três conceitos, provavelmente a mesma entenderia os três como sinónimos e teria dificuldade em distingui-los. Na realidade, estes três conceitos não significam exatamente a mesma coisa e, através deste simples exemplo, acabamos por constatar a riqueza, diversidade e especificidade do “vocabulário geográfico”. Temos, assim, o “espaço geográfico”, uma designação de carácter mais geral, algo central para o geógrafo e que pode ser entendido, obviamente, segundo abordagens distintas; o “lugar”, que comporta sempre uma dimensão afetiva, com um significado particular e o “território”, ao qual está associada uma componente mais política.

Perante estas especificidades de cada conceito, não me parece descabido considerar o conceito de “lugar” como aquele que consegue estar mais próximo da experiência de qualquer indivíduo. Afinal de contas quem não tem os seus lugares? Ainda que inconscientemente, todos nós temos os “nossos lugares”, aqueles que têm um significado particular para nós, atendendo à experiência que já tivemos na relação com os mesmos. Do mesmo modo, também devido à experiência, existirão outros lugares onde não nos sentimos tão confortáveis e que podem até causar-nos repulsa relativamente aos mesmos. Independentemente do tipo de sentimento, é impossível ignorar a existência desse sentimento, ou seja, os laços existentes entre o indivíduo e o lugar.

Esta perspetiva de vinculação entre indivíduo e lugar está particularmente presente na obra “Topofilia”, do geógrafo Yi-Fu Tuan. Adepto de uma conceção mais humanista da Geografia, Tuan reflete sobre as relações entre Homem e ambiente, valorizando as experiências individuais do Homem, que vão influenciar as perceções deste relativamente ao meio onde vive. “Muitos dos conceitos de Tuan referem-se à emoção com que o homem se relaciona com uma escala do espaço que faz dele um lugar humano” (Cisotto, 2013).

Transpondo um pouco esta questão do lugar para um âmbito educativo, penso que a familiarização dos alunos para com esta noção de lugar pode ser um bom ponto de partida para o conhecimento geográfico, para um entendimento do que trata a Geografia. Qualquer aluno, por mais jovem que ainda seja, terá já os “seus lugares” e acabará por tomar consciências das relações que estabelece com os mesmos.


Acerca de “Topofilia”:
Cisotto M (2013) Sobre “Topofilia”, de Yi-Fu Tuan. Geograficidade, v.3, n.2. [Acedido em 11 de Novembro de 2015]. http://www.uff.br/posarq/geograficidade/revista/index.php/geograficidade/article/view/133/pdf

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Comentário de Leitura: "Educar e Instruir" - Robert Dottrens



Dottrens, R. (1974). Educar e Instruir. Lisboa: Estampa.


Mais uma “relíquia” que nos apresenta alguns temas ligados ao ensino, nomeadamente aspetos relacionados com a educação moral e cívica, a educação estética, as ciências físicas e naturais, a educação física e o desporto e ainda um capítulo intitulado “A criança e o conhecimento do mundo”, no âmbito do qual é dedicado espaço ao ensino da Geografia.

Nesta obra, Dottrens foca-se no ensino dos alunos mais jovens, no entanto apresenta-nos algumas reflexões em torno do ensino da Geografia que acabam por poder aplicar-se aos vários níveis de ensino. O autor deixa-nos, desde logo, uma ideia clara daquele que é, para si, o objetivo da educação geográfica: A geografia é um ensino de cultura; não se aprende para saber, mas para agir, para compreender esse problema humano que é a adaptação dos homens ao seu meio. Mais adiante, Dottrens apresenta mais uma ideia, através da qual carateriza a ciência geográfica: A geografia é uma ciência descritiva e explicativa; ela localiza, descreve, compara. O autor destaca a importância da observação, direta e indireta, algo fundamental no âmbito da educação geográfica. Trata-se de desenvolver aquilo que o autor chama de espírito geográfico e que vai muito além da mera memorização de factos. Dottrens apresenta mesmo algumas experiências de aprendizagem, essencialmente vocacionadas para os alunos mais jovens. O autor faz referência, por exemplo, a uma atividade que tem por objetivo uma familiarização dos alunos quanto aos aspetos relacionados com o relevo. Basicamente, os alunos pegavam num mapa de grande escala, decalcavam as curvas de nível assinaladas no mesmo mapa, em seguida recortavam os vários planos obtidos, em cartão, terminando com uma sobreposição dos vários planos, por ordem crescente de altitude, chegando assim a uma representação do relevo.

No fundo, o autor reflete sobre a apropriação, por parte dos alunos, de vários conceitos e temas que dão forma ao conhecimento geográfico. Nas palavras de Dottrens: A geografia é antes de tudo uma disciplina educativa; bem ensinada, desempenha um papel importante na formação da inteligência e na cultura do espírito, com a condição de que o ensino seja activo.

Comentário de Leitura: "Práticas de Ensino" - Bruno Ciari


Ciari, B. (1979). Práticas de Ensino. Lisboa: Estampa. 


É certo que não estamos perante uma obra que possa ser considerada propriamente recente (data de finais dos anos 70), no entanto não é por isso que deixa de ser relevante e nos pode apresentar algumas ideias interessantes sobre a Geografia no âmbito da Educação.

Numa obra em que explora vários aspetos relacionados com o ensino, abordando questões ligadas à formação de base dos alunos, as relações entre experiência e aprendizagem, bem como as questões ligadas à Língua e à Matemática, Bruno Ciari dedica também um capítulo a alguns temas que o autor classifica como interdisciplinares, no âmbito dos quais se encontra, precisamente, a Geografia. Curiosamente, a primeira ideia transmitida por Ciari diz respeito ao reduzido valor atribuído à Geografia e ao seu ensino, o que nos pode permitir perceber qual era a visão geral relativamente a esta Ciência há mais de 35 anos atrás. Nas palavras do autor, se há ensino tido em baixa consideração do ponto de vista formativo, esse ensino é o da geografia, geralmente tomada como matéria secundária que envolve apenas um esforço de memória. As razões para este facto residiam, segundo o autor, no modo como a Geografia era ensinada, apelando-se muito mais à capacidade de memorização, do que propriamente à compreensão. Ciari refere, exemplos como a memorização de rios, montes, do número de habitantes de cada país, entre outros. Estudar geografia seria armazenar toda uma enorme quantidade de dados analíticos, vistos de um modo estático, como se o mundo sempre tivesse sido assim. O autor reflete, assim, em torno da necessidade de uma mudança, valorizando-se uma perspetiva integradora e de inter-relação entre fenómenos físicos e humanos, não esquecendo também a influência dos fatores históricos. Para Ciari estas mudanças significariam que a Geografia seria mais humanizada; não será já fria vivissecção mas sim compreensão inteligente de uma realidade viva.

Olhando para esta visão de Bruno Ciari, vemos que, efetivamente, o ensino da Geografia conheceu já várias transformações até aos dias de hoje. Porém, se pararmos para pensar, em algumas situações não prevalecerá ainda a memorização e não a compreensão?