Calcário utilizado na impressão do primeiro mapa científico de Portugal |
Até à segunda sessão de MEG, não tinha noção que cada vez
que entro no edifício do IGOT me cruzo com um elemento ligado àquele que pode
ser considerado o período de maior prosperidade e prestígio da disciplina de
Geografia em Portugal. Falo do pedaço de calcário que serviu para a impressão
do primeiro mapa científico de Portugal, desenvolvido por Filipe Folque entre
1860 e 1865, algo associado ao período do chamado Positivismo Corográfico, tema
que dominou, precisamente, este segunda sessão de MEG. Seguiu-se, no fundo, o
caminho iniciado na sessão anterior, refletindo-se sobre a afirmação da
Geografia em Portugal e valorizando-se a forte componente ideológica associada
ao discurso geográfico. Da Geografia e do seu ensino não pode, assim, ser
dissociado um papel de especial de relevo ao nível da construção da identidade
nacional, ou não fosse o território (sobre o qual se debruça a Geografia) um
dos três pilares fundamentais quando falamos em identidade nacional.
Seguindo esta ideologia, fortemente nacionalista, de
identificação do cidadão para com o território, importava, então, conhecer este
território, para que esta identificação fosse, realmente consolidada. É neste
seguimento que importa fazer referência ao período do Positivismo Corográfico, em
meados do século XIX. Este é o tempo das corografias, os livros sobre o país, obras
muito ricas em termos de informação, plenas de descrições verdadeiramente
exaustivas de como era o território português. Na base destas obras estava um
ideal nacionalista que era impossível ignorar. Tal como refere João Félix
Pereira, na sua Corografia Portuguesa,
de 1850, “a Geografia da nossa pátria é a que mais nos interessa”. A propósito
de João Félix Pereira refira-se, de resto, que a ele estão associados os
conceitos de “Portugal Continental” e “Portugal Peninsular”. Naturalmente é
impossível dissociar estas obras do próprio momento histórico vivido pelo país,
nesta altura. Este é o período da chamada Regeneração, levada a cabo por Fontes
Pereira de Melo, é o período em que o caminho-de-ferro passa a ser uma
realidade em Portugal, a partir de 1856, constituindo um verdadeiro símbolo de
avanço e modernidade associado ao país. Avanços como este implicavam um
destaque dos mesmos e um conhecimento por parte dos cidadãos. Compreende-se,
assim, que os manuais escolares desta época exaltem este tema dos caminhos-de-ferro,
o que nos remete, mais uma vez, para a importância da Geografia e do seu ensino
ao serviço de um ideal nacionalista de identificação face ao território. A
importância do ensino, particularmente da instrução primária, nesta altura era
tal, que a primeira obra científica de Geografia foi mesmo destinada a este
nível de ensino, mais concretamente as Cartas
Elementares de Portugal, uma síntese geográfica publicada por Barros Gomes,
em finais do século XIX, composta por mapas em que se explorava o território
português. Do mesmo modo, também Silva Teles publica, em 1906, um livro
destinado à instrução primária, o que vem reforçar esta importância atribuída
ao ensino, neste caso mais concretamente ao ensino da Geografia. A Geografia
chega, aliás, ao ensino básico antes mesmo de chegar à universidade. Nas
palavras do Professor Sérgio Claudino, a Geografia deste período é uma
“Geografia de não geógrafos”, é feita por pessoas, muitas delas formadas em
Direito, com curiosidade em olhar para o seu país e cujos trabalhos se
enquadravam perfeitamente nesta necessidade de levar os cidadãos, desde cedo, a
conhecerem e identificarem-se com o território do seu país. Com o mesmo tipo de
ideologia, importa ainda referir o papel da Sociedade de Geografia de Lisboa,
fundada em 1875. A importância da Geografia no Ensino ficou, ainda, patente em
1888, altura em que se torna independente da História, algo que não aconteceu,
por exemplo, em Espanha ou França. Não sendo o país muito grande, Portugal
acabava por estar mais “dependente” do seu império colonial, comparativamente
com países de maior dimensão. Os portugueses tinham, assim, de conhecer e
identificar-se com o seu império, era fundamental convencer os cidadãos a
emigrarem para os vários territórios que formavam o império colonial e assim
fortalecer este mesmo império, havia que falar do território, das suas riquezas
e o papel do ensino da Geografia era, quanto a este aspeto, crucial.
Entre 1894/95 e 1948, porém, a Geografia atravessa um
período menos áureo do que o anterior, enfrentando alguns desafios. Começa a
afirmar-se uma Geografia mais naturalista, preocupada com as relações entre
Homem e Natureza e não tanto com aspetos ligados à Sociedade. Não esqueçamos
que este período coincide com a afirmação da República em Portugal, cuja
ideologia valorizava mais a Língua Portuguesa e a História, em detrimento da
Geografia. Este é um período de frequentes alterações. Em 1895, por exemplo, o
ensino da Geografia da História volta a unir-se, vindo a separar-se, no entanto,
em 1905, mas voltando a unir-se em 1918. A acrescentar a todas estas
alterações, em 1930, a Geografia surge associada às Ciências da Natureza. A Seguda
Guerra Mundial também não veio ajudar, uma vez que defendia um discurso
político internacional anti-colonial. Portugal queria manter o seu império,
apostando então em enviar para as colónias profissionais qualificados, com
capacidade para atuar, lá, de uma forma realmente eficaz. A preocupação não
era, assim, como anteriormente, enviar para as colónias muitas pessoas, para
quem o ensino da Geografia seria fundamental, tal como já foi referido. Este
facto acabou, também, por retirar alguma importância à Geografia, por esta
altura.
A Geografia acaba, no entanto, por regressar em força,
sensivelmente a partir de 1947, quando as guerras de independência nas colónias
vêm trazer um novo fôlego à ideologia nacionalista. Ao nível do ensino, a
designação “Ciências Geográfico-naturais” deu lugar a “História e Geografia de
Portugal”.
Tudo o que foi referido permite-nos, assim, perceber que o
processo de afirmação da Geografia em Portugal e a importância seu ensino
atravessou momentos de maior prosperidade, comparativamente com outros. Independentemente
deste facto, é impossível ignorar a componente fortemente ideológica associada
à Geografia, tendo o seu ensino assumido um papel de especial destaque no
âmbito da própria construção da ideia de identidade nacional, neste caso pelo
território.
Um texto com grande qualidade no seu conjunto. Parabéns.
ResponderEliminarCom a 2ª Guerra Mundial e os ventos anticolonialistas, surge o que designo por 2ª nacionalismo, na defesa do império colonial e, também, de um Portugal salazarista e rural. Este discurso é reforçado com a eclosão das guerras coloniais, nos anos 60.