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Carta Internacional da Educação Geográfica

quinta-feira, 3 de março de 2016

MEG - A propósito da 2ª sessão (26/02/2016)

Calcário utilizado na impressão do primeiro mapa científico de Portugal

Até à segunda sessão de MEG, não tinha noção que cada vez que entro no edifício do IGOT me cruzo com um elemento ligado àquele que pode ser considerado o período de maior prosperidade e prestígio da disciplina de Geografia em Portugal. Falo do pedaço de calcário que serviu para a impressão do primeiro mapa científico de Portugal, desenvolvido por Filipe Folque entre 1860 e 1865, algo associado ao período do chamado Positivismo Corográfico, tema que dominou, precisamente, este segunda sessão de MEG. Seguiu-se, no fundo, o caminho iniciado na sessão anterior, refletindo-se sobre a afirmação da Geografia em Portugal e valorizando-se a forte componente ideológica associada ao discurso geográfico. Da Geografia e do seu ensino não pode, assim, ser dissociado um papel de especial de relevo ao nível da construção da identidade nacional, ou não fosse o território (sobre o qual se debruça a Geografia) um dos três pilares fundamentais quando falamos em identidade nacional.

Seguindo esta ideologia, fortemente nacionalista, de identificação do cidadão para com o território, importava, então, conhecer este território, para que esta identificação fosse, realmente consolidada. É neste seguimento que importa fazer referência ao período do Positivismo Corográfico, em meados do século XIX. Este é o tempo das corografias, os livros sobre o país, obras muito ricas em termos de informação, plenas de descrições verdadeiramente exaustivas de como era o território português. Na base destas obras estava um ideal nacionalista que era impossível ignorar. Tal como refere João Félix Pereira, na sua Corografia Portuguesa, de 1850, “a Geografia da nossa pátria é a que mais nos interessa”. A propósito de João Félix Pereira refira-se, de resto, que a ele estão associados os conceitos de “Portugal Continental” e “Portugal Peninsular”. Naturalmente é impossível dissociar estas obras do próprio momento histórico vivido pelo país, nesta altura. Este é o período da chamada Regeneração, levada a cabo por Fontes Pereira de Melo, é o período em que o caminho-de-ferro passa a ser uma realidade em Portugal, a partir de 1856, constituindo um verdadeiro símbolo de avanço e modernidade associado ao país. Avanços como este implicavam um destaque dos mesmos e um conhecimento por parte dos cidadãos. Compreende-se, assim, que os manuais escolares desta época exaltem este tema dos caminhos-de-ferro, o que nos remete, mais uma vez, para a importância da Geografia e do seu ensino ao serviço de um ideal nacionalista de identificação face ao território. A importância do ensino, particularmente da instrução primária, nesta altura era tal, que a primeira obra científica de Geografia foi mesmo destinada a este nível de ensino, mais concretamente as Cartas Elementares de Portugal, uma síntese geográfica publicada por Barros Gomes, em finais do século XIX, composta por mapas em que se explorava o território português. Do mesmo modo, também Silva Teles publica, em 1906, um livro destinado à instrução primária, o que vem reforçar esta importância atribuída ao ensino, neste caso mais concretamente ao ensino da Geografia. A Geografia chega, aliás, ao ensino básico antes mesmo de chegar à universidade. Nas palavras do Professor Sérgio Claudino, a Geografia deste período é uma “Geografia de não geógrafos”, é feita por pessoas, muitas delas formadas em Direito, com curiosidade em olhar para o seu país e cujos trabalhos se enquadravam perfeitamente nesta necessidade de levar os cidadãos, desde cedo, a conhecerem e identificarem-se com o território do seu país. Com o mesmo tipo de ideologia, importa ainda referir o papel da Sociedade de Geografia de Lisboa, fundada em 1875. A importância da Geografia no Ensino ficou, ainda, patente em 1888, altura em que se torna independente da História, algo que não aconteceu, por exemplo, em Espanha ou França. Não sendo o país muito grande, Portugal acabava por estar mais “dependente” do seu império colonial, comparativamente com países de maior dimensão. Os portugueses tinham, assim, de conhecer e identificar-se com o seu império, era fundamental convencer os cidadãos a emigrarem para os vários territórios que formavam o império colonial e assim fortalecer este mesmo império, havia que falar do território, das suas riquezas e o papel do ensino da Geografia era, quanto a este aspeto, crucial.

Entre 1894/95 e 1948, porém, a Geografia atravessa um período menos áureo do que o anterior, enfrentando alguns desafios. Começa a afirmar-se uma Geografia mais naturalista, preocupada com as relações entre Homem e Natureza e não tanto com aspetos ligados à Sociedade. Não esqueçamos que este período coincide com a afirmação da República em Portugal, cuja ideologia valorizava mais a Língua Portuguesa e a História, em detrimento da Geografia. Este é um período de frequentes alterações. Em 1895, por exemplo, o ensino da Geografia da História volta a unir-se, vindo a separar-se, no entanto, em 1905, mas voltando a unir-se em 1918. A acrescentar a todas estas alterações, em 1930, a Geografia surge associada às Ciências da Natureza. A Seguda Guerra Mundial também não veio ajudar, uma vez que defendia um discurso político internacional anti-colonial. Portugal queria manter o seu império, apostando então em enviar para as colónias profissionais qualificados, com capacidade para atuar, lá, de uma forma realmente eficaz. A preocupação não era, assim, como anteriormente, enviar para as colónias muitas pessoas, para quem o ensino da Geografia seria fundamental, tal como já foi referido. Este facto acabou, também, por retirar alguma importância à Geografia, por esta altura.

A Geografia acaba, no entanto, por regressar em força, sensivelmente a partir de 1947, quando as guerras de independência nas colónias vêm trazer um novo fôlego à ideologia nacionalista. Ao nível do ensino, a designação “Ciências Geográfico-naturais” deu lugar a “História e Geografia de Portugal”.


Tudo o que foi referido permite-nos, assim, perceber que o processo de afirmação da Geografia em Portugal e a importância seu ensino atravessou momentos de maior prosperidade, comparativamente com outros. Independentemente deste facto, é impossível ignorar a componente fortemente ideológica associada à Geografia, tendo o seu ensino assumido um papel de especial destaque no âmbito da própria construção da ideia de identidade nacional, neste caso pelo território.

1 comentário:

  1. Um texto com grande qualidade no seu conjunto. Parabéns.
    Com a 2ª Guerra Mundial e os ventos anticolonialistas, surge o que designo por 2ª nacionalismo, na defesa do império colonial e, também, de um Portugal salazarista e rural. Este discurso é reforçado com a eclosão das guerras coloniais, nos anos 60.

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